Sindicância e Ministério Público investigam gastos milionários com livros e jornais sob gestão anterior. Depósitos cheios, ruas vazias e silêncio dos ex-gestores aumentam o mistério sobre os R$ 13,1 milhões em papel
A crise que se instala nos bastidores da Prefeitura de São Sebastião expõe um caso que combina desperdício, falta de transparência e suspeitas de irregularidades milionárias. No centro da polêmica está o antigo Departamento de Comunicação — agora sob investigação do Ministério Público (MP) e alvo de sindicância interna —, responsável por contratações de serviços gráficos que somam mais de R$ 13 milhões na gestão do ex-prefeito Felipe Augusto (PSDB).
A exoneração da então diretora de Comunicação, Beatriz Rego, anunciada discretamente pela atual administração, ocorre em meio ao avanço das apurações. Fontes ouvidas pela reportagem descrevem a decisão como “uma queda anunciada nos bastidores”, diante da gravidade dos números e das descobertas que vêm à tona.
Montanha de papel, mar de dúvidas
Os contratos sob suspeita envolvem uma enxurrada de materiais impressos: livros, jornais, folhetos, cartazes e até sacolas personalizadas. Levantamento da reportagem aponta gastos em análise que superam R$ 11,5 milhões, podendo chegar a R$ 13,1 milhões quando somadas todas as notas fiscais emitidas.
A dimensão chama atenção. 1,85 milhão de jornais foram impressos por fornecedores ligados ao Departamento de Comunicação — o equivalente a 20 exemplares por morador, em uma cidade com menos de 90 mil habitantes. Parte desse material, segundo apuração do Ministério Público, teria sido distribuída às vésperas do período eleitoral, com conteúdo de autopromoção da antiga gestão.
O caso dos 68 mil livros “fantasmas”
O episódio mais emblemático envolve a contratação de 68 mil livros por R$ 5,2 milhões, firmada no fim do governo Felipe Augusto.
Sete meses após a entrega, apenas 16 mil exemplares foram localizados, ensacados em um depósito da Secretaria de Saúde — quatro vezes menos que o número declarado na nota fiscal.
Diante da divergência, o prefeito Reinaldinho Moreira (Republicanos) determinou a suspensão imediata dos pagamentos pendentes, incluindo uma nota de R$ 5,1 milhões, e instaurou sindicância administrativa.
O promotor Valério Santana realizou diligência in loco no local onde o material foi encontrado. A gestão atual afirma que vem colaborando com o MP, mas não apresentou comprovação da distribuição ou finalidade pública dos livros, alegando que a execução ocorreu na administração anterior.
Em espaços públicos, a reportagem encontrou apenas dois exemplares disponíveis para leitura — ambos no Centro de Informações Turísticas da Rua da Praia. As capas dos volumes trazem obras institucionais e literárias (poesias, lendas e histórias locais), e ao menos um título cita “distribuição para estudantes sebastianenses e italianos” — algo que jamais ocorreu, segundo a atual gestão.
Três gráficas, milhões em jogo
Os contratos sob investigação envolvem três empresas paulistas:
- Print Save (São Bernardo do Campo) – forneceu 52 mil livros, 30 mil sacolas, 350,2 mil cartazes e 2,34 milhões de fôlderes, totalizando R$ 6.859.474,00.
- Braspor (Osasco) – imprimiu 1,85 milhão de jornais por R$ 5.509.999,00, sendo 1,3 milhão em apenas dois meses (abril a junho de 2024).
- Digital Printz (Osasco) – responsável por 1,38 milhão de folhetos ao custo de R$ 757.900,00.
Somados, os valores chegam a R$ 13.127.373,00, cifra que causa espanto até entre servidores de carreira. Parte desse montante integra o valor de R$ 11,5 milhões inicialmente detectado por fontes internas como “serviços gráficos” — número ainda em checagem final pela sindicância.
Linhas de investigação: superfaturamento e autopromoção
Entre os pontos investigados estão:
- divergências entre as quantidades registradas e o volume efetivamente localizado;
- comprovação de impressão e recebimento dos materiais;
- critérios de tiragem em período pré-eleitoral;
- indícios de autopromoção institucional;
- e possíveis sobrepreços nas compras de equipamentos e serviços.
Há ainda suspeita de falhas graves de instrução processual nas contratações e de pagamentos antecipados sem comprovação de entrega integral.
Exoneração, silêncio e pressão política
A exoneração de Beatriz Rego foi oficializada na semana passada. Segundo interlocutores do governo, a medida visa “proteger a atual gestão e garantir transparência total nas investigações”.
Nos bastidores, aliados de Reinaldinho afirmam que “ainda há muito a ser descoberto”. Já servidores ouvidos sob reserva falam em um “esquema de autopromoção eleitoral travestido de material institucional”.
Enquanto isso, os depósitos seguem cheios de papel e a população — que deveria ter recebido o material — continua sem saber onde foram parar os R$ 13 milhões destinados à comunicação.
Confira os pontos-chave da investigação:
- R$ 13,1 milhões em contratos sob análise
- 1,85 milhão de jornais impressos
- 68 mil livros contratados, apenas 16 mil localizados
- R$ 5,1 milhões em pagamentos suspensos
- Apuração simultânea do MP e sindicância interna
- Nenhum exemplar localizado em escolas ou bibliotecas municipais






















